No vídeo de apresentação da excelente edição didática dos Lusíadas anotada por Francisco Lencastre (Editora Concreta), o prefaciador Rafael Falcón respondeu a um dos espectadores o seguinte: a obra lírica de Camões chega a ser melhor que Os Lusíadas.

Afirmação ousada, sem dúvida. E cada vez mais me convenço de que é corretíssima.

Do ponto de vista técnico, as rimas da Lírica são mais ricas, os seus versos mais coloridos, mais saborosos os seus ritmos. Também o conteúdo é mais pungente e é explorado de forma mais viva, com um temário mais amplo e mais nítido. 

Muitos poemas são de amor, sim, mas há dezenas de amores diferentes — amor ideal, amor perdido, amor rejeitado, amor persistente, amor separado, amor trocado, amor cruel, amor extremo, amor cômico. E para além do amor, há reflexões sobre a vida e sobre Deus, narrativas pastoris e mitológicas, retratos e elogios de personagens históricas, cenários de terra e de mar, releituras da Bíblia e jogos de palavras… tudo isso com versos límpidos, brilhantes, justíssimos.

Mas se a lírica é melhor que a épica de Camões, sua épica é maior que sua lírica. 

Maior em historicidade, maior em extensão, e maior sobretudo em força moral, a ponto de nos instigar à grandeza, um tanto como o torso de Apolo retratado por Rilke: — “ força é mudares de vida” (trad. Manuel Bandeira). 

Nos Lusíadas não encontramos a mera ambição de compor um poema com grande número de versos: deparamos o desejo genuíno de contar uma história grande, com heróis grandes, representantes dum povo grande que crê num Deus grande. 

As duas vertentes, lírica e épica — uma melhor que a outra, esta maior que aquela —, superam-se mútua e reiteradamente, mas começam e terminam sempre no mesmo Luís de Camões. 

Grande e bom, excelente e máximo, é sem dúvida o maior e o melhor poeta que a língua portuguesa conheceu.

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